INFORMATIVO COVID-19

COVID-19 E RELAÇÕES DE CONSUMO

Como devem ser interpretadas as relações de consumo no período de pandemia?

As relações das empresas com seus clientes são essenciais e é justamente de tais relações que nascem o faturamento, o crescimento e a estabilização das pessoas jurídicas no mercado.

Não é segredo que o mercado, em todas as suas áreas, têm se revestido de complexidade, tecnologia e, sobretudo, de concorrência.

Saber lidar com os consumidores e suas demandas em período de crise é essencial para que, quando da retomada da atividade econômica plena, a empresa possa se posicionar à frente de seus concorrentes, minimizando danos patrimoniais e extrapatrimoniais, sobretudo quanto à reputação e confiabilidade da empresa.

O COVID-19, por configurar evento imprevisível e, principalmente, inevitável, que interfere no cumprimento de obrigações, pode ser considerado excludente de responsabilidade e exonerar o fornecedor de determinadas obrigações, desde que mantida a observância proteção ao consumidor, mesmo nesse contexto inédito.

Assim, antes de se adentrar ao presente tópico, há de se rememorar que as relações de consumo tendem a ser conduzidas pelos princípios relacionados a caso fortuito e força maior, conforme os conceitos expostos na introdução do presente material.

Tendo isso em vista, a primeira indicação é de que o momento seja de transparência entre as partes envolvidas. É altamente recomendável que o fornecedor disponibilize informações claras e precisas aos seus consumidores sobre eventuais impactos do COVID-19 sobre o fornecimento de produtos ou serviços.

DA RESPONSABILIZAÇÃO DO FORNECEDOR FRENTE AOS CONSUMIDORES E CUIDADOS NECESSÁRIOS

Como regra, a responsabilização do fornecedor frente a seus consumidores é objetiva e solidária, todavia, há hipóteses de exclusão de responsabilidade previstas em lei.

O caso fortuito ou força maior (como descritos na introdução) podem ser utilizados como argumento para afastamento de responsabilidade do fornecedor, mas é extremamente importante que o fornecedor adote medidas amenizadoras caso seja, de fato, impossível a prestação do serviço ou entrega do produto em decorrência do COVID-19.

Isso não precisa significar, necessariamente, que todo o contrato termine. Se houver viabilidade de cumprimento com atraso ou cumprimento parcial do contrato, isso deve ser buscado pela empresa para atenuar os prejuízos, recordando-se, sempre, do dever de informação e de transparência com o consumidor.

Entretanto, se frustradas todas as tentativas consensuais, de adiamento de cumprimento de obrigação, de substituição e caso venha a ocorrer cancelamento do produto ou serviço por requisição do fornecedor, deve ser realizada restituição de valor pago pelo consumidor ou reagendamento do serviço e entrega do produto.

Todavia, caso o cancelamento do produto ou serviço se dê por requisição do consumidor, em decorrência do COVID-19, o fornecedor deve avaliar o caso concreto individualmente, buscando-se ao máximo possível uma solução consensual, para evitar reclamações em órgãos de defesa do consumidor (PROCON) ou eventuais ações judiciais, que podem trazer prejuízos maiores.

No entanto, se efetivamente não for possível uma resolução consensual do problema, o fornecedor deve rever e considerar a possibilidade de cobrança de multas contratuais, considerando, principalmente, a verificação de inevitabilidade do cancelamento.

Ou seja, considerando que o cancelamento por parte do consumidor pode ter sido inevitável (principalmente por força de legislação específica), há de se repensar as sanções contratuais, de forma a gerar a menor quantidade de impasses possíveis. Da mesma forma, cumpre informar ao consumidor quando o cancelamento se dá pelo fornecedor e é, igualmente, inevitável (também por força de legislação específica, principalmente).

Recomenda-se que, em um primeiro momento de incerteza sobre o cenário econômico, as empresas evitem realizar negativações ou protestos, sem informar devidamente aos consumidores anteriormente, em razão da possibilidade de afastamento do dever de cumprir com os pagamentos decorrentes de caso fortuito ou força maior. Não significa que devam abrir mão de tais procedimentos, mas sim que redobrem os cuidados e comunicações aos devedores, para evitar ajuizamentos de demandas indenizatórias futuras que possam acarretar em prejuízos maiores que os dos débitos cobrados.

Cumpre ressaltar que, conforme o produto ou serviço, como, por exemplo, transporte aéreo, transporte marítimo, compras online, há regras específicas que devem ser avaliadas, bem como as condições de inevitabilidade e de interferência do COVID-19 na atividade.

Ainda, mesmo que seja momento de se buscar melhor valor agregado por produto e serviço, há de se evitar a caracterização de preços abusivos, o que vem sendo objeto de fiscalizações pela SENACON e pelos PROCONs.

Em circunstâncias de aplicação dos princípios da livre concorrência e de demanda x oferta, a precificação cabe aos fornecedores e não se pode predeterminar o que configura preço abusivo. Todavia, como se trata de situação extraordinária, deve se ter cautela no aumento de preços que configure a pretensão de obter vantagem manifestamente excessiva em decorrência direta da crise do COVID-19.

DOS CONTRATOS FIRMADOS NA CRISE DE COVID-19

As recomendações anteriores se justificam justamente porque a ideia é de que a atividade econômica não pare e, para isso, é preciso construir relações de confiança com os clientes.

No que tange à continuidade das atividades, para os contratos firmados durante a crise do COVID-19, deve haver redação específica e clara firmando a extensão da responsabilização, as garantias de cumprimento do contrato, as exceções de responsabilidade, penalidades e condições concisas de pagamento.

Ressalta-se, ainda, que com o aumento de riscos sanitário e de logística, aumenta o dever de cuidado para atenuar danos aos interesses da parte envolvida na relação contratual.

É certo que o momento é único e jamais foi experimentado e, principalmente, testado junto aos tribunais, ou, ao menos, nunca o foi nas proporções que a crise do COVID-19 devem tomar.

No entanto, acredita-se que, como regra, os prejuízos sofridos quando de execução de prestação serão do devedor da obrigação, como no caso de produtos ou serviços não entregues. De outro lado, acredita-se que os prejuízos decorrentes inutilidade de produto entregue ou serviço prestado, mesmo que parcialmente, são do credor, daquele que consome os serviços.

Igualmente, se o contrato se tornar muito mais custoso para ser cumprido (até mesmo aqueles firmados sob a crise do COVID-19), exatamente como nos casos força maior, o devedor que ainda não esteja em atraso poderá argumentar tal condição para se liberar do contrato se o custo de sua execução tiver sido extremamente aumentado em razão do COVID-19.

Isso permite, em tese, que as partes revejam seus contratos de forma consensual e com transparência, evitando litígios e evitando, principalmente, que se agravem a instabilidade e imprevisibilidade da situação.

OFERECIMENTO DE ALTERNATIVAS E TRANSPARÊNCIA EM MEIO ELETRÔNICO

Quanto ao mercado em si, sempre deve ser considerada a possibilidade de se oferecer um atendimento por meio eletrônico para todos os tipos de produtos e serviços (e não apenas os que sejam comercializados online), para que esse atendimento eletrônico venha a apaziguar e atenuar a relação entre as partes. Assim, crescem as chances de que seja possível oferecer um serviço adequado e eficaz que possibilite ao consumidor solucionar suas demandas sobre informações, dúvidas, reclamações, suspensão ou cancelamento de pedidos.

Caso não seja possível manter uma estrutura de atendimento via SAC, para as empresas que não conseguem manter um SAC remotamente, o atendimento pode ser facilitado via redes sociais, por exemplo, com a criação de um manual de respostas e esclarecimentos aos consumidores.

Isso serve para evitar descumprimento do Código de Defesa do Consumidor, para evitar dano reputacional, penalidades e litígios e para permitir que a empresa possa superar a crise de COVID-19 já apta à retomada do crescimento.


 Por Guilherme Bolognini Tavares.

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