LEI N.º 13.986/2020 - CONVERSÃO DA "MP DO AGRO"

Atualizado em 08/04/2020 - 17h22

Em 07/04/2020 foi publicada a Lei n.º 13.986, oriunda da conversão da Medida Provisória n.º 897/2019, popularmente chamada de “MP do Agro”.

Essa lei altera substancialmente as relações jurídicas do agronegócio, sobretudo quanto à concessão de crédito, sua regulamentação e garantias vinculadas a tais operações. Ainda, a lei teve alguns pontos vetados, que continuarão a gerar debates e questionamentos.

Com o que já foi aprovado até agora, eis um resumo da legislação.

O Capítulo I da Lei 13.986/2020 trata do Fundo Garantidor Solidário (FGS). Trata-se de fundo como modalidade de garantia solidária, a ser composto por, no mínimo dois devedores, que deverão integralizar os recursos de tal fundo com cota correspondente a 4% (quatro por cento). Anteriormente, na MP, essa modalidade de garantia havia recebido a nomenclatura de Fundo de Aval Fraterno (FAF).

Importante salientar que cada um desses fundos terá estatuto próprio, que disporá sobre a forma de constituição do FGS e sua administração, a remuneração do administrador, a utilização dos recursos e sua forma de atualização, a representação ativa e passiva do fundo e outras disposições necessárias ao seu funcionamento.

Já o Capítulo II da Lei, dispõe sobre o Patrimônio Rural em Afetação, expondo que o proprietário de imóvel rural pode submeter a integralidade de seu imóvel rural ou fração daquele a esse regime de afetação.

Assim, sob esse regime, o terreno, as acessões e as benfeitorias nele fixadas (exceto as lavouras), os bens móveis e os semoventes, se constituirão como patrimônio rural em afetação, com a finalidade de prestar garantias por meio da emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) ou Cédula Imobiliária Rural (CIR), tratada mais adiante na mesma lei.

O patrimônio rural em afetação será constituído por solicitação do proprietário por meio de registro no cartório de registro de imóveis e esse patrimônio não se comunicará com o patrimônio geral do proprietário ou outros também em afetação, à medida das garantias constantes das CPRs ou CIRs a ele vinculadas.

Importante também expor que o imóvel rural, enquanto estiver sujeito ao regime de afetação de que trata esta Lei, ainda que de modo parcial, não poderá ser objeto de compra e venda, doação, parcelamento ou qualquer outro ato translativo de propriedade por iniciativa do proprietário, não poderá ser utilizado para realizar ou garantir o cumprimento de qualquer outra obrigação e será impenhorável, não podendo ser objeto de constrição judicial. Todavia, isso não se aplica às obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural.

Justamente quanto a essas obrigações, há previsão expressa na lei de que incumbe ao proprietário que constituir o patrimônio rural em afetação promover os atos necessários à sua administração e preservação, bem como manter-se adimplente com as obrigações tributárias e os encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas de sua responsabilidade, incluída a remuneração dos trabalhadores rurais.

Por seu turno, o Capítulo III da Lei 13.986/2020 cria a Cédula Imobiliária Rural (CIR), que é um título de crédito nominativo, transferível, de livre negociação e representativa de promessa de pagamento em dinheiro (decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade) e obrigação de entregar em favor do credor imóvel rural, quando não houver pagamento da operação até a data do vencimento.

Trata-se da instituição de um novo título de crédito no ordenamento jurídico brasileiro.

Poderá emitir a CIR o proprietário de imóvel rural, seja pessoa física ou jurídica, que tenha constituído patrimônio rural em afetação, como descrito anteriormente. Essa cédula será garantida, em parte ou totalmente, com o patrimônio rural em afetação e será emitida sob a forma escritural, mediante lançamento em sistema de escrituração autorizado a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

A CIR poderá também ser garantida por terceiros inclusive seguradoras ou instituições financeiras; poderá também receber aval. Além disso, será considerada título executivo extrajudicial representativo de dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível.

Importante salientar que a CIR poderá ter seu vencimento antecipado, caso haja insolvência civil, falência ou recuperação judicial do emitente, desvio de bens e administração ruinosa do imóvel rural que constitui o patrimônio rural em afetação a ela vinculado e o descumprimento à obrigação de se manter adimplente com as obrigações tributárias e os encargos fiscais, previdenciários e trabalhistas de sua responsabilidade, incluída a remuneração dos trabalhadores rurais.

Também relevante expor que, se vencida a CIR e o crédito não tiver sido liquidado, o credor poderá realizar imediatamente para seu nome a transferência de propriedade da área rural que a garantia. Além disso, se levada essa área a hasta pública e, em segundo leilão não houver lance que satisfaça a dívida (somada a despesas, prêmios de seguro e encargos legais e tributos), o credor poderá cobrar do devedor o valor remanescente, sem nenhum direito de retenção ou indenização sobre o imóvel.

O Capítulo IV da Lei 13.986/2020 trata do CDB, Certificado de Depósito Bancário, dispondo que se trata de título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento, em data futura, do valor depositado junto ao emissor com acréscimo da remuneração convencionada. Esse título somente pode ser emitido por instituições financeiras que captem recursos sob a modalidade de depósitos a prazo. Tal título pode ser emitido sob forma escritural, pode ser endossado e constitui título executivo extrajudicial. Essa espécie de título será regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional.

O Capítulo V da Lei trata de “subvenção econômica a produtores rurais e a cooperativas agropecuárias”, alterando diversos dispositivos da Lei n.º 8.427/1992, que previa justamente a concessão de subvenções, sob a forma de equalização de preços de produtos agropecuários ou de origem extrativa;  equalização de taxas de juros e outros encargos financeiros de operações de crédito rural e os bônus de adimplência e os rebates nos saldos devedores de financiamentos rurais concedidos, direta ou indiretamente, por instituições financeiras autorizadas a operar crédito rural.

Nesse aspecto, foram alterados, sobretudo, os métodos de registro, controle e gestão dos programas de crédito decorrentes de recursos subvencionados, bem como as penalidades e consequências advindas de descumprimento das obrigações firmadas pelos subvencionados.

Já o Capítulo VI da Lei 13.986 alterou consideravelmente as disposições sobre as Cédulas de Produto Rural (CPR). Uma das alterações diz respeito à possibilidade de uma CPR financeira poder ser emitida com taxa de juros, fixa ou flutuante, ou até mesmo com variação cambial.

Além disso, há a previsão de incursão em estelionato fazer declarações falsas ou inexatas acerca de sua natureza jurídica ou qualificação, bem como dos bens oferecidos em garantia da CPR, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, ainda que sejam de natureza fiscal.

Ainda, a lei trata da possibilidade de ser emitida CPR sob a forma escritural, que poderá valer-se de processos eletrônicos ou digitais, será objeto de lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de escrituração, o que ainda pende de regulamentação de condições pelo BC.

Por seu turno, o Capítulo VII da Lei recebe a nomenclatura de “dos títulos do agronegócio” e altera, sobretudo, a Lei n.º 11.076/2004, que dispõe sobre o Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, o Warrant Agropecuário – WA, o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA, a Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio – CRA, alterando, principalmente a modalidade/possibilidade de escrituração de tais títulos.

Além disso, insere a possibilidade de que CDCA, LCA e CRA sejam emitidos com cláusula de correção pela variação cambial desde que integralmente vinculados a direitos creditórios com cláusula de correção na mesma moeda.

Determina-se, ainda, que CDA e WA poderão ser utilizados para o cumprimento do direcionamento de recursos da LCA para o crédito rural, desde que tenham sido emitidos em favor de produtor rural.

O Capítulo VIII da Lei 13.986/2020 faz alterações na Lei n.º 10.931/2004, que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, também principalmente quanto à escrituração e para que pudesse ser compatibilizada a normativa nova ao disposto naquela legislação. Esse mesmo capítulo faz, ainda, modificações ao Decreto-Lei n.º 167/1967, igualmente com intuito de regulamentar a escrituração ou possibilitar a emissão de título sob a forma escritural mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração.

Por fim, o Capítulo IX da Lei 13.986/2020 versa especificamente sobre a subvenção econômica para empresas cerealistas, autorizando a União a conceder subvenção econômica em benefício das empresas cerealistas, sob a modalidade de equalização de taxas de juros, nas operações de financiamento a serem contratadas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) até 30 de junho de 2021.

As operações de financiamento serão destinadas a investimentos em obras civis e na aquisição de máquinas e equipamentos necessários à construção de armazéns e à expansão da capacidade de armazenagem de grãos, sendo que o valor total dos financiamentos a serem subvencionados pela União fica limitado ao montante de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).

A lei estabelece que subvenção fica limitada a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) por ano, respeitada a dotação orçamentária reservada para essa finalidade.

Todavia, ainda cabe ao Conselho Monetário Nacional estabelece as condições necessárias à contratação dos financiamentos e ao Ministro de Estado da Economia definir a metodologia para o pagamento do valor a ser apurado em decorrência da equalização das taxas de juros e as demais condições para a concessão da subvenção econômica de que tratam o Capítulo.

Em suas disposições finais, o Capítulo X da Lei em questão realiza a revogação de diversos dispositivos e mesmo de normas inteiras, sendo relevante tratar da alteração que trouxe à lei n.º 5.709/1971 (que Regula a Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil).

O §2º do art. 1º da Lei 5.709/1971 prevê, agora, que as restrições previstas nesta lei não se aplicam aos casos de sucessão legítima (ressalvada a aquisição de imóvel situado em área considerada indispensável à segurança nacional), às hipóteses de constituição de garantia real, inclusive a transmissão da propriedade fiduciária em favor de pessoa jurídica, nacional ou estrangeira e aos casos de recebimento de imóvel em liquidação de transação com pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, ou pessoa jurídica nacional da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e que residam ou tenham sede no exterior, por meio de realização de garantia real, de dação em pagamento ou de qualquer outra forma.

Em conclusão, percebe-se que o intuito objetivo do legislador era o de dinamizar a concessão e registro das operações creditícias de natureza rural no país. Todavia, a instituição de novos títulos de crédito e de novas modalidades de garantia ainda deve ser revista e aplicada com imensa cautela. Assim como ocorreu com a alienação fiduciária, ao mesmo tempo que a instituição de novas garantias pode viabilizar (ao menos em tese) melhores condições de crédito, também pode representar a tomada de medidas agressivas aos patrimônios de produtores rurais.

O melhor a se fazer sempre é analisar cuidadosamente os títulos emitidos e submetê-los a intensa revisão, a fim de que a lei possa ser utilizada para benefício de todas as partes envolvidas e, principalmente, para que cumpra seu fim.

Importante salientar que ainda podem haver alterações na legislação, decorrentes de derrubadas de vetos.

Por Guilherme Bolognini Tavares.

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