INFORMATIVO COVID-19

IMPACTOS DO COVID-19 NO MERCADO IMOBILIÁRIO

Atualizado em 24/03/2020 - 11h27.

COVID-19 E MERCADO IMOBILIÁRIO

Devido à rápida propagação do Covid-19 pelo mundo, em 11 de março de 2020 a OMS (Organização Mundial da Saúde) o caracterizou como uma pandemia, elevando seu nível de emergência ao mais alto. Tal mudança trouxe, por sua vez, consequências variadas à economia, atingindo inclusive o setor imobiliário.

A fim de evitar a propagação do vírus, governos estão adotando medidas preventivas que abarcam desde o cancelamento de eventos esportivos e sociais, até o fechamento de escolas e estabelecimentos comerciais a fim de que seja garantido um distanciamento social capaz de frear a escalada do número de casos.

Na Europa, além das medidas supra mencionadas, os governos tem adotado medidas de ordem econômica a fim de diminuir os impactos causados pela paralisação das atividades econômicas. Exemplo notório foi o adotado pela França, onde se decretou a suspensão da cobrança de serviços essenciais (energia, água, gás) e aluguéis por 15 dias, inicialmente.

No Brasil, diversos municípios tem determinado o fechamento do comércio e até mesmo das indústrias e empresas prestadoras de serviços, medida certamente necessária para a contenção do vírus, mas que acarreta um impacto econômico que não se pode ignorar, demandando o apoio do poder público a fim de evitar que tal paralização necessária resulte, posteriormente, em uma crise econômica ainda mais grave.

Para o mercado imobiliário e da construção civil, os impactos da paralização poderão acarretar em fechamento definitivo de estabelecimentos comerciais, shopping centers, prédios públicos, atraso de obras, desemprego, dentre outros inúmeros problemas decorrentes do desaquecimento da economia.

Assim, há de ser analisado o desequilíbrio econômico-financeiro em contratos que regulam as relações jurídicas presentes no mercado imobiliário, a fim de discutir medidas a serem adotadas.

Institutos jurídicos aplicáveis: Caso fortuito ou força maior, teoria da imprevisão e onerosidade excessiva

Seja por conta da imprevisibilidade do surgimento do vírus, seja por conta da inevitabilidade de sua propagação pelo mundo e, consequentemente, dos efeitos dela na economia e no desempenho das atividades empresariais, pode-se sustentar que o Covid-19 se classifica como um evento de caso fortuito ou força maior. A legislação pátria trata e tal hipótese no Código Civil em seu artigo 393:

 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Embora a redação legal seja imprecisa e subjetiva, ao nosso ponto de vista é indiscutível que no caso da Covid-19 tanto a inevitabilidade quanto a imprevisibilidade de seus efeitos são pontos inquestionáveis, sendo que as determinações do poder público apenas tornam mais cristalina a situação experimentada pelos indivíduos.

Neste mesmo sentido, mostra-se aplicável a Teoria da Imprevisão. Do latim Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur (Os contratos que têm trato sucessivo ou a termo ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência das coisas) a origem da Teoria da Imprevisão remonta ao direito romano, e trata da possibilidade de que um contrato seja alterado, apesar de sua obrigatoriedade, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra.

O Código Civil Brasileiro prevê a aplicação da Teoria da Imprevisão em seu art. 317:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

 Assim, embora novamente seja incerta a interpretação que será dada pelo poder judiciário aos desdobramentos da crise proveniente do Covid-19 e seus reflexos, mostra-se pertinente a discussão acerca da aplicação da referida teoria quando preenchidos os requisitos legais pelo caso concreto, afim de se buscar a revisão dos valores do contrato, a fim de reestabelecer o equilíbrio econômico prejudicado pela crise causada pelo Covid-19.

Por fim, a Onerosidade excessiva está prevista pelos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil brasileiro sob os seguintes fundamentos:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

 Percebe-se assim que no caso da Onerosidade Excessiva, a parte prejudicada busca a rescisão contratual, ou ainda no caso de contratos com obrigações unilaterais, a revisão do contrato, cabendo à outra parte a alternativa de propor mudanças ao contrato, ou aceitar o seu desfazimento.

Logo, é evidente que o mecanismo jurídico a ser utilizado como fundamento para ajustar a relação contratual afetada pelo Covid-19 dependerá da análise do caso concreto, sendo pertinente, entretanto, observamos as possíveis bases para discussões supra expostas.

Superadas estas bases introdutórias, passemos a analisar os casos concretos onde eventualmente poderão haver problemas causados pela crise causada pela pandemia.

 Shopping Centers e Locações Comerciais

De todos os seguimentos da economia nacional, sem dúvida alguma o comércio será um dos mais afetados pela crise gerada pelo Covid-19 e seus reflexos, em especial o de fechamento dos estabelecimentos comerciais e restrição de circulação de pessoas estipulado por inúmeros municípios. Em Shopping Centers, onde usualmente se estipula o valor da locação tendo como uma das variáveis o faturamento do lojista, tal situação é ainda mais grave.

Neste cenário, certamente há margem para discussão acerca da suspensão do pagamento do aluguel, ou ainda da revisão do contrato a fim de se rediscutir os valores estipulados, tendo como base os fundamentos tratados anteriormente pelo presente estudo, sendo incerto, entretanto, o posicionamento que será adotado pelo poder judiciário, ante a inediticidade do evento em análise.

Ademais, torna-se também oportuna a análise do artigo 22 da Lei de Locações (Lei nº 8.245/91), que estipula a obrigação do locador em garantir o uso pacífico do imóvel, e que certamente é atingida pelos comandos do poder público.

Uma coisa é certa, o uso do imóvel, objeto principal do contrato, é diretamente afetado pelos reflexos da crise, gerando indiscutivelmente um prejuízo econômico àqueles que são obrigados a fechar o seu estabelecimento comercial, tornando assim plausível se falar na aplicação das teses anteriormente expostas na medida em que tanto a imprevisibilidade/inevitabilidade estão presentes, quanto há ainda uma onerosidade excessiva a recair sobre o locatário, que suportaria a crise do Covid-19 sozinho caso tivesse que continuar a honrar com os aluguéis sem nenhuma suspensão/redução por parte do locador.

De outro lado, não são os locadores que estão a determinar o fechamento dos estabelecimentos comerciais, e sim o poder público, fazendo-os também vítimas desta crise, sendo, portanto, a conciliação entre as partes o melhor caminho para abordar esta situação inédita em nossa história recente, evitando-se assim uma litigiosidade imprevisível.

Construção Civil

A Construção Civil também tem sido atingida pelos decretos municipais em decorrência do Covid-19, sendo paralisada a fim de interromper a transmissão do vírus. Mesmo nos municípios onde não houve a determinação de paralisação, dificuldades na obtenção de mão de obra e matéria prima têm sido relatadas por construtoras em decorrência da crise. Com isso, muitos contratos com prazos já pré-estabelecidos para conclusão das obras serão afetados.

De antemão, cumpre ressaltar que a legislação pátria já prevê hipóteses onde a obra poderá ser suspensa ainda que não haja previsão contratual. A primeira delas está disposta no artigo 625 do Código Civil, que trata da suspensão da obra por motivo de força maior:

Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra:

I - por culpa do dono, ou por motivo de força maior;

Portanto, de antemão, temos que se a construtora conseguir demonstrar que a crise gerada pela Covid-19 impactou direta ou indiretamente o andamento da obra, ao nosso ver, torna-se aplicável o dispositivo legal acima colacionado.

Ademais, para além da hipótese prevista pelo Código Civil, também a Lei nº 4.591/64 prevê em seu Art. 43-A a hipótese de prorrogação do prazo de entrega da obra em 180 dias caso previsto contratualmente:

Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.

Cabe por fim ponderar que eventual onerosidade excessiva do contrato decorrente da crise do Covid-19 também poderá ser objeto de discussão através dos institutos jurídicos discutidos anteriormente, sendo pertinente a análise do caso concreto.

Atividades Cartorárias

Em 17 de março de 2020 o Conselho Nacional de Justiça publicou a Recomendação nº25, Edição 66/2020 do Diário da Justiça, onde recomenda que as Corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal adotem medidas preventivas para combater a Covid-19, apontando as seguintes diretrizes:

I- suspender ou reduzir o horário do expediente externo e do atendimento ao público, em consonância com as orientações das autoridades locais e nacionais de Saúde Pública;

II- autorizar o trabalho remoto dos colaboradores das serventias, desde que compatíveis com a modalidade de prestação de serviço extrajudicial;

III- designação de regime de plantão em caso de suspensão das atividades extrajudiciais, observando-se os cuidados estabelecidos pelas autoridades de saúde no contato com o público, para atendimento de pedidos urgentes como certidões de nascimento e óbitos;

IV- suspensão dos prazos para a prática de atos notariais e registrais, devendo ser consignado, nos respectivos livros e assentamentos, o motivo da suspensão.

 Por Danilo Borges Paulino. 

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